quarta-feira, 27 de outubro de 2010

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Os ombros suportam o mundo
Chega um tempo em que não se diz mais: meu Deus.
Tempo de absoluta depuração.
Tempo em que não se diz mais: meu amor.
Porque o amor resultou inútil.
E os olhos não choram.
E as mãos tecem apenas o rude trabalho.
E o coração está seco.

Em vão mulheres batem à porta, não abrirás.
Ficaste sozinho, a luz apagou-se,
mas na sombra teus olhos resplandecem enormes.
És todo certeza, já não sabes sofrer.
E nada esperas de teus amigos.

Pouco importa venha a velhice, que é a velhice?
Teus ombros suportam o mundo
e ele não pesa mais que a mão de uma criança.
As guerras, as fomes, as discussões dentro dos edifícios
provam apenas que a vida prossegue
e nem todos se libertaram ainda.
Alguns, achando bárbaro o espetáculo
prefeririam (os delicados) morrer.
Chegou um tempo em que não adianta morrer.
Chegou um tempo que a vida é uma ordem.
A vida apenas, sem mistificação.

(Carlos Drummond de Andrade) 


     Hoje queria que o mundo fosse mera lembrança, que os afagos fossem gratuitos, que o amor fosse mesmo contagiante, que a coragem existisse sem pedidos, que os perigos fossem pequenos e enxergáveis... Hoje sinto como se meus ombros suportassem o mundo... E isso faz com que me resulte em coragem, desfaça esse tormento, essas exigências... Digo que não há mais tempo pra pensar... Seja o que for... apenas peço teu ombro, teu abraço e não digas nada, deixe apenas que durma e espere um novo amanhã.

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